Sorelle Fontana, o “made in Italy”

Traversetolo (Parma) - Giovanna (1915-2004), Micol (1913 – vivente), Zoe (1911-1978)

Traversetolo (Parma) – Giovanna (1915-2004), Micol (1913 – vivente), Zoe (1911-1978)

Hoje decidimos falar sobre três senhoras italianas, as irmãs “Fontana” Zoe, Giovanna e Micol.
Micol Fontana, última das três irmãs ainda viva, garante: “Nós inventamos o made in italy”.

A história conta que Zoe, a irmã mais velha, fez as malas aos 20 anos e decidiu sair de Traversetolo, em Parma na Itália, para tentar a vida em uma cidade grande. Pegou um trem ao acaso, deixando que a sorte guiasse seu caminho.

“Em Milão, se fazia dinheiro; em Roma poesia”, relembra Micol.

O trem e que Zoe embarcou, levava à Roma, cidade não somente da poesia, mas da aristocracia italiana.
Antés, porém, de tudo começar, Zoe, Micol e Giovanna circularam pelos melhores ateliês de Milão e Paris, durantes 30 anos. Nesse período, elas estudaram e trabalharam entre as sartorias de Nicola Zecca, Aurora Battilochi e a prestigiosa maison de Coco Chanel, um bom começo para quem não tinha outra opção, na cidade natal.

Somente em 1943 que as Fontana se encontraram em Roma para montar um ateliê, que posteriormente vestiram princesas e estrelas de Holywood. Não somente o mundo estava em guerra, a 2ª guerra mundial, mas a guerra partia dali mesmo, com Benito Mussolini aliado à Alemanha nazista de Hitler. As três irmãs costumavam trocar barras de calça por comida, e a pouca comida por tecido, no mercado negro, para continuar costurando. Ou faziam isso, ou procuravam tecido numa loja de lustres, onde o proprietário armazenava toda a sorte de mercadoria, devido à escassez da guerra.

“Enfrentamos duas guerras, tendo meu pai como militar, durante a primeira. Minha mãe esperava que os uniformes de papai ficassem velhos, para depois cortar e costurar roupas para nós.”

Em 1935, Mussolini criou um conselho de moda para garantir um vestuário 100% nacional, restringindo a moda que chegava da França e da Inglaterra. As revistas femininas foram proibidas de publicar fotos de modelos magras, já que o ideal fascista era o de uma mulher “saudável e capaz de gerar filhos”. Após “constatar cientificamente” que o esporte fazia mal ao corpo da mulher, o médico e senador fascista Nicola Pende estabeleceu que as medidas justas para as manequins de moda deveriam ser entre 1,56 m e 1,60 m de altura, para 55 kg e 60 kg de peso (compara-se a Gisele Bundchen de 1,79m e 54 kg).

As casas de moda recebiam frequentes visitas da polícia para garantir que a matéria-prima e os desenhos utilizados fossem italianos. Caso contrário, as multas eram altas. Apesar das pressões do regime, os criados preferiam comprar figurinos em Paris e imitar os franceses Jean Patou e Chanel. Nas sartorias, os desenhos eram mantidos bem escondidos do controle policial. O regime chegou ao cúmulo de organizar um dicionário italiano para a moda, em que os estrangeirismos foram substituídos por termos italianizados. Assim, nada de “tailleur”, “smoking” ou “ziper”, modificados para “completo a giarca, “giacchetta da sera” e “cerniera a lampo”, respectivamente.

Mas quando o facismo mergulhou o país e na fome, foi o talento que prevaleceu, e não o regime. A falta de matéria-prima levou Salvatore Ferragamo, por exemplo, a improvisar materiais, criando sapatos de crochê, de celofane, tamancos de cortiça para Carmem Miranda e centenas de modelos para atrizes como Greta Garbo e Marilyn Monroe.

Conta Micol:

“Nossa primeira relações púbicas foi a zeladora do prédio onde, no começo, dividíamos um cômodo mobiliado. Ela fazia a propaganda na vizinhança, dizia que éramos boas moças e que costurávamos bem”

Com o fim da guerra, a primeira cliente importante foi Gioia Marconi, filha do inventor do rádio, com o pedido de um vestido de noive. Satisfeitíssima, Gioia ajudou a atrair as princesas das famílias Colonna, Torlonia, Borghese e da casa Savóia, da monarquia recém-destronada. Mas a verdadeira garota-propaganda da casa Fontana, foi a atriz americana Linda Christian.

Em 1949, seu vestido de noive para o casamento com o galã Tyrone Power provocou a corrida dos paparazzi a seu casamento, em Roma, e das estrelas de Holywood, de filhas de chefes de Estado e princesas árabes ao ateliê das irmãs.

audrey_hepburn_sposa

Audrey Hepburn prova seu vestido de noiva, a qual nem chegou a usar. Doou o vestido para que uma moça sem recursos pudesse usar. Micol Fontana decidiu então fazer um concurso para doar o vestido.

Ainda hoje encontramos Micol Fontana com seus 97 anos, no endereço Via Sebastianello, 6, na charmosa Piazza di Spagna, Roma.

No primeiro andar desse endereço, onde funcionou a sartoria das irmãs Fontana, é como voltar aos anos dourados das divas de cinema e do jet set internacional. O local é repleto com modelos feitos para Audrey Hepburn, Ava Gardner e Elisabeth Taylor, citando apenas algumas das personalidades que vestiram as criações da mais antiga casa de moda de Roma.

Hoje, no local, funciona a “Fundazione Micol Fontana”, que nasceu em 1994 para cuidar do patrimônio histórico e cultural das irmãs Zoe, Giovanna e Micol. A entidade mantém 300 modelos, mais de 2 mil figurinos, jornais, fotografias e acessórios, além de realizar seminários para estudantes e interessados em moda. Uma volta pelo antigo ateliê faz o visitante caminhar entre modelos usados por Anita Ekberg, Grace de Mônaco e Audrey Hepburn – e lá estão vestidos, fotos e figurinos para comprovar. Uma coleção de bonecas mostra os famosos vestidos em miniatura.

Vestidos expostos na Fundazionne.

Vestidos expostos na Fundazionne.

Micol considera:

“Não gosto que me chamem de estilista, não entendo o que esse termo quer dizer. Prefiro ser chamada de costureira, como três gerações antes de mim. Nas veias de nossa família não corre sangue, correm alfinetes”, brinca.

Ainda comenta sobre a elegância dos italianos na hora de se vestir:

“Está no nosso sangue, como a música está no sangue dos brasileiros. É natural, quando se vive circundado de obras de arte, pela luz de Florença e peloas cores de Roma. Nascemos sob a estrela do belo”.

A fama das Fontana recebeu a devida atenção da tevê estatal Rai, que fez uma minissérie sobre Micol e suas irmãs. A minissérie é exibida pelo canal fechado brasileiro GNT.

Micol Fontana, com seus 97 anos, em seu ateliê.

Micol Fontana, com seus 97 anos, em seu ateliê.

Micol Fontana ainda foi questionada se tinha algum conselho a deixar para os jovens criadores brasileiros:

“Sim, estudar a cultura da moda, como nos seminários que temos aqui na Fondazione. Nosso estilo é feito de elegância, classe e rigor no acabamento. Seria interessante juntar essa técnica à criatividade e às tradições brasileiras. Acredito nas pequenas cooperativas, onde costurar artesanalmente pode ser tanto arte como fonte de renda”.

Abaixo segue uma pequena amostra de vestidos famosos da Maison das Fontana.

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Otávio Luis, 20 de outubro de 2013.

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